ESSA É MINHA VIDA, parte 5.
- Douglas Araújo
- 23 de jan. de 2019
- 5 min de leitura
... E continuando... Ao final deste ano (2019) se completa uma década que ele concluiu o ensino médio. As amizades da escola? A maioria se mantém vagamente através das redes sociais... Uma minoria no coração, se aquecendo periodicamente com as lembranças e algumas mensagens trocadas. Os tempos são diferentes e a famosa “correria” tomou conta da rotina de todos, alguns até já são pais e mães de família e a escassez de contato (principalmente físico) é totalmente compreensível. As amizades que surgiram depois? Elas surgem, ressurgem e desaparecem tão rápido quanto as primeiras, tudo também por seus mesmos motivos. Mas o amadurecimento fez o mesmo menino de outrora compreender as alegrias e as tristezas e o ajuda até hoje a “dançar conforme a música”...
O ano é 2013 e, provavelmente, a maior parte da sequencia de nossa história se passará nesse mesmo ano. Ano em que ele se tornou um cadeirante, retornou a frequentar a igreja, concluiu seus estudos na faculdade e arrumou o seu primeiro (e atual) emprego. Era apenas um ano normal: ele, ainda dono de seus passos, mas já apresentando dificuldades em se levantar de determinados lugares em que se sentava, começava a ceder aos apelos médicos e, com muito custo, havia aceitado entrar na fila de doações de cadeira de rodas (era aconselhado o uso de uma para percorrer distâncias longas e/ou que poderiam cansá-lo). Infelizmente ele demorou muito para “dar o braço a torcer”.
Durante os meses em que estava aguardando sua cadeira de rodas chegar, ele foi estagiar na escola em que, ironicamente, mais estudou (7 anos seguidos) e que concluiu o ensino médio. Praticamente na porta da sala de aula em que ia entrar, ele se distraiu, se esqueceu de um degrau pequeno, que para ele nunca foi um problema, e pisou errado nele, caindo, assim, sentado em cima de sua perna esquerda. Sua mãe, que a seu pedido ficou em seu aguardo, viu a cena de longe e, como de costume, foi rapidamente ao seu encontro. Mas o costume dele de se levantar, bater a poeira do chão que ficou na roupa e sair andando novamente morreu ali... naquele mesmo lugar. Mais tarde, ainda naquele mesmo dia, já com a vitória da conclusão do estágio para a faculdade (que concluíra no final daquele ano) em mãos, mãe e filho partiram com uma amiga da família (pois o pai dele estava trabalhando e não havia tempo à perder) para o pronto socorro mais próximo para averiguar o ferimento (a perna esquerda estava inchada pouco acima do joelho como nunca haviam visto, era óbvio que a coisa era séria dessa vez). Ali nada foi confirmado, mas uma consulta foi agendada com um especialista em joelho, que 5 dias depois confirmou que tratava-se de uma pequena fratura no fêmur, aproximadamente 2 dedos acima do joelho. Ali mesmo já foi engessada a perna toda.
Após 1 mês e meio de “molho”, de preocupação com a possível perda dos passos, de esperança para começar logo uma recuperação para que isso não acontecesse, além de outros tantos pensamentos e rotina desorganizados, o gesso enfim foi retirado. Agora começaria a luta para ficar em pé novamente com a tala de lona. E ele começou bem, com seus esforços passava a ficar cada vez mais tempo em pé nas sessões de fisioterapia e até nos treinos em sua casa. Até perceber que o máximo de seu esforço ainda não seria o suficiente para ele ficar em pé sem o auxílio do equipamento. A progressividade de sua distrofia o havia abatido mais uma vez. A partir dali ele era, oficialmente, um cadeirante, e, surpreendentemente (até para ele), estava conformado com a ideia. Aceitou como um descanso por ter feito tudo o que podia fazer para preservar seus passos até os 21 anos de idade. Passos que deveriam ser perdidos muito antes disso.

Ainda quando menino, o rapaz nem sempre compreendeu e respeitou suas limitações, desde sempre quis fazer tudo o que as pessoas ao seu redor faziam. Na igreja não era diferente. De família católica, ele tinha ainda mais motivos para querer seguir perfeitamente o rito das missas e celebrações (se sentar, se levantar, se ajoelhar, entre outras coisas). Porém, as limitações vinham surgindo cada vez com mais frequencia, e isso acabou o desanimando e, por consequencia, o afastando por 5 anos do segmento da doutrina de sua religião. No entanto, ele, ainda com a perna engessada, enxergou suas “desculpas” se acabando, agora que seria um cadeirante e que movimento algum do rito lhe poderia ser retirado ou atribuído. Isso o puxou de volta. No final daquele ano ele acabou, ainda, engrenando no que hoje é sua vocação religiosa: o ministério de música.
Dividindo palco com seu retorno para a igreja, estava também a caminho a sua contratação pela famosa e bem conceituada “Universidade Paulista UNIP”, a qual já o acolheu e ainda acolhe como paciente de fisioterapia (foi atendido lá de 2001 a 2012 e retornou de 2017 até hoje). Uma amiga, insistentemente, o colocou nos trilhos desta nova empreitada. A mãe (com a razão na maioria de seus pensamentos) temia que a novidade trouxesse ainda mais complicações do que progresso para a vida do filho, que até então lidava com as mudanças de seu novo estilo de vida. Temia que não fosse o momento exato. Mas totalmente descrente do êxito em cada etapa do processo (o que aliviava a família), ele enviou o currículo, foi convidado para a entrevista e, finalmente, foi contratado (um capítulo marcante na história dele e do campus de Sorocaba, que estava pela primeira vez “abrindo as portas” para a contratação de cadeirantes, dando exemplo de inclusão social). Pelas mãos de Deus e de todos os envolvidos no processo tudo foi conciliado e foi constatado por todos que aquilo veio, sim, na hora exata.
Fruto do trabalho do jovem moço, veio no ano seguinte: sua cadeira de rodas motorizada. Com ela: sua quase total autonomia (que veio ainda maior do que na época de seus passos) e muitos outros projetos que foram desengavetados. Brotaram também alguns novos.
Em 2015, graças ao auxílio da cadeira de rodas motorizada e a segurança que ela lhe deu, ele saiu desacompanhado dos pais pela primeira vez. Começou saindo com alguns amigos cadeirantes, frequentando os shoppings e cinemas da cidade de Sorocaba, o que mais tarde se tornou compromisso fixo. Foi quando, junto com alguns destes amigos, fundou a “Galerinha do Barulho” (o clichê à lá “filme de fim de tarde na T.V. aberta” foi proposital), um grupo que iniciou com 10 integrantes (sendo 8 cadeirantes, 1 pessoa com mobilidade reduzida e 1 pessoa que não possui deficiência), que combinavam seus passeios por mensagens. O intuito, de início, era mantê-lo e ampliá-lo, mas depois de viver dois anos de seu ápice, a experiência serviu apenas de amadurecimento para cada integrante, que trilhou seu próprio caminho rumo à uma existência ainda mais extraordinária do que tinha antes, contando ainda com amizades que (mesmo um pouco mais distantes fisicamente) levarão consigo pelo resto da vida...
Com isso, chegamos ao final de mais um capítulo, de uma história que continuará a ser escrita dia após dia. O personagem ainda tem muitas páginas para viver e a trama ainda pode dar muitas reviravoltas... Nos encontramos novamente daqui há uns anos!
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