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“Deficiência Social” é um espaço dedicado à todos os cidadãos, com ênfase aos que possuem algum tipo de deficiência. Aqui procuraremos mostrar como podemos ser úteis para nossa sociedade. Com uma linguagem reflexiva e, em determinados momentos, irreverente, abordaremos também algumas pertinências e curiosidades acerca deste universo de guerreiros que lutam diariamente no cenário cotidiano. Sejam todos muito bem vindos, visitem, opinem e divulguem sempre que puderem.

 

(Douglas Araújo)

“ME AJUDE: NÃO ME AJUDE!”

  • Foto do escritor: Douglas Araújo
    Douglas Araújo
  • 7 de mai. de 2019
  • 4 min de leitura

É com este título confuso que inicio mais um texto do nosso site. Mas, afinal, é para ajudar ou não é? Esta é a pergunta que muitas vezes ronda a cabeça de alguns familiares, amigos e até, raras as vezes, de desconhecidos de pessoas com deficiência em determinados momentos. E é sobre isso que vamos “conversar” hoje:

Eu diria que é quase natural que a maioria de vocês, leitores, tenham chegado até aqui com um “sim” entalado na garganta, quase sendo, literalmente, falado. Mas saibam que apesar de ser óbvio que devemos ajudar o próximo que visivelmente necessita de nossa ajuda, existem detalhes que antes precisam ser levados em consideração quando se trata de pessoas limitadas por alguma deficiência ou deficiências.

Neste caso eu costumo citar o exemplo dos cegos ou deficientes visuais: suponhamos que algum deles esteja parado próximo de um semáforo. Pode ser que ele queira apenas permanecer na mesma calçada ou que, simplesmente, queira atravessar depois ou, ainda, que esteja esperando alguém específico. Mas um transeunte qualquer, coberto de boas intenções, chega e, sem perguntar nada, o toma pelo braço e atravessa com ele. Somado à isso tudo, hoje muitas pessoas cegas e com baixa visão são plenamente ativas e fazem praticamente tudo sozinhas. Então, agora, temos uma pessoa contrariada, talvez confusa e possivelmente irritada. Tudo isto pela falta de uma simples pergunta: “Posso ajudar?”!


Uma infinidade de outros exemplos relacionados à diversas outras deficiências poderiam ser lembrados aqui, mas prefiro exemplificar melhor com o que aprendi ao longo de minha própria história de vida:


Parei de andar aos 21 anos de idade. Atualmente, busco depender fisicamente o menos possível das pessoas, mas, antes disso, eu levava a minha total independência física ainda mais a sério, a ponto de ser julgado como teimoso, orgulhoso, metido, arrogante e adjetivos do tipo. Não que em determinados momentos eu, de fato, não o parecesse ser ou talvez até não o fosse, afinal, reconheço que algumas vezes essa minha vontade de fazer “tudo” sozinho se assemelhava muito com uma obsessão.

Mas este “tudo” nem sempre era toda e qualquer atividade, e foi deste exato ponto que sempre veio (e até hoje vem) a minha defesa. Como uma pessoa com uma deficiência muscular progressiva (onde dificilmente, ou quase nunca, há ganho, mas apenas a certeza de perda de movimentos, como alguns sabem), eu já não fazia todos os movimentos como uma pessoa sem deficiência faz (em termos de força física). Além disso, ouvi a vida toda vereditos vindos de profissionais das mais diversas áreas da saúde me alertando quanto às complicações que eu enfrentaria no futuro se eu me desse o luxo de relaxar e “folgar”, deixando fazerem tudo por mim.

Partindo disso, eu me via obrigado a tentar não fraquejar de jeito nenhum, para não perder o costume e o jeito de agir em determinadas situações. Mesmo também ouvindo estes mesmos profissionais da saúde me alertando quanto aos riscos de eu me fadigar e o que isso também acarretaria para mim no futuro (e como ouvi falar dessa tal “fadiga”). Mas como em uma balança de medidas, onde o “comodismo” fazia o peso e o “desgaste” servia de contrapeso, eu, cuidadosamente, colocava algumas poucas “gramas” a mais no último item e ia me arriscando, tomando “puxões de orelha” de um lado e “congratulações” do outro.

Eu não era inconsequente, visto que eu firmava acordos com os meus médicos e fisioterapeutas, mas eu sempre fui um paciente de extremos (ora aquele que todos queriam ter, pela garra e determinação, ora aquele que ninguém desejaria, pela minha audácia, que acabava trazendo consigo alguns riscos, já que ela, em alguns momentos, me fazia até mesmo esquecer de muitas regras importantes da minha deficiência que eu deveria respeitar, mas não o fazia por achar tudo aquilo maçante demais). Mas este (outrora mais intenso) sempre foi o meu jeito de ser!

Recusava quase toda ajuda oferecida: sempre optava por andar à pé ao invés de carro em distâncias curtas, na escola eu escolhia bem o lugar em que me sentava na sala de aula para poder me levantar sozinho depois (passava os intervalos em pé para não precisar de auxílios também, o que, além de tudo, me constrangeria). Mas isso quando eu não caia no chão, o que me deixava sem opções para “me virar”!

Nas sessões de fisioterapia eu tentava fazer o maior número de exercícios possíveis sem auxílio, no término delas eu fazia questão de calçar os tênis sozinho, além de também me levantar do tablado sem a ajuda de quem me atendia (que só tinha como opção torcer por mim e ficar de prontidão em caso de erro, o que dificilmente acontecia).

Hoje, como cadeirante, muita coisa mudou em minha vida, inclusive meus níveis de aceitação de ajuda, que subiram inegociavelmente. Só sobraram traços da antiga personalidade e teimosia, bem dosados e utilizados na atualidade. Nada de excessos, mas também sinal algum de inércia.


O que um dia, na minha infância, chegou até parecer fácil para mim (sentença que pode servir também para tantas outras pessoas com deficiência), se torna complicado aos poucos, no dia a dia. Sei que muitos dos movimentos físicos que ainda me restam serão perdidos, mas pretendo estender a serventia deles ao máximo (assim como o fiz com os que hoje já não existem). A experiência que hoje tenho me aponta com mais clareza tudo o que consigo e o que não consigo fazer, então, no que eu sei, ou sinto, que ainda sou capaz eu acho importante e gosto muito de dar o meu melhor. Me é satisfatório fazê-lo assim e saber que ainda “dou conta” destas tarefas (se você, que está lendo isto, já teve alguma oferta de ajuda sua recusada por mim, saiba que eu a recusei por um motivo muito maior e melhor do que pura falta de educação, e sei que se, de fato, você se importa comigo, hoje me compreende). O que eu tenho dúvida se consigo ou não fazer eu prefiro tentar sozinho do que solicitar ajuda de imediato, mas após falhar eu solicito ajuda e o que eu tenho certeza que não há modo de eu fazer, eu simplesmente me rendo... E peço:


-”Você me ajuda?”

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